Entre Micélios e Resiliência: a Fotografia de Thaís Itapema (por Marcel Fernandes)
- H-AL | Arte têxtil
- 4 de jun.
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Há artistas cuja obra nos convida a um instante de suspensão—uma pausa necessária para absorver a profundidade de seu gesto criativo. Thaís Itapema pertence a essa linhagem. Suas imagens instauram uma atmosfera rarefeita, uma floresta em suspensão onde névoa e orvalho funcionam como um limiar entre mundos. Sua fotografia não apenas documenta, mas sugere um trânsito simbiótico entre arte e ecologia, um convite à percepção expandida da paisagem como território sensível.
Em um tempo dominado pelo digital, onde a imagem se tornou volátil e sobrecarregada de estímulos, Itapema resgata a materialidade da fotografia analógica em 35mm. Esse gesto, longe de ser mero saudosismo, revela-se como ato de resistência estética e ecológica. A fotografia em película, com sua fisicalidade e processos artesanais, ecoa a resiliência da própria floresta—um organismo que persiste, apesar da degradação constante. Assim como os fungos que habitam o recôndito das florestas, suas imagens emergem no contraponto à infobesidade visual contemporânea, reivindicando um tempo de contemplação e mistério.
No cerne de sua pesquisa, há uma dimensão alquímica: os filmes são submersos em vinho, água do mar, chá verde, resina de árvore, cítricos, especiarias. Essas intervenções não apenas conferem camadas texturais e cromáticas inesperadas, mas funcionam como metáforas das contaminações ambientais que afetam ecossistemas inteiros. A matéria orgânica incorporada ao suporte fotográfico, em minha visão, alude ao impacto dos poluentes, ao metabolismo da terra, à interpenetração entre o humano e o natural. A artista, ao transitar entre gesto experimental e denúncia poética, nos faz perceber que sua floresta não é idílica—ela carrega em si as marcas de um mundo em desequilíbrio.
A grande força do trabalho de Itapema reside na sua linguagem visual impregnada de poesia. Suas fotografias se aproximam de um cinema imóvel, onde a luz desenha um universo que oscila entre a revelação e o enigma. Existe nelas uma aura mágica, uma vibração sensorial que nos envolve e nos confronta com a fragilidade e a potência do que habita o invisível. Como disse o escritor Amos Oz: “A realidade não é apenas o que o olho vê (...), mas também o que se esconde do olho e se revela para quem procura com os olhos do espírito.”
Ao explorar os limites entre o documental e o simbólico, Itapema nos convoca a atravessar os portais que sua obra abre. Suas paisagens não são meros registros de micromundos; elas são topografias oníricas, territórios de devaneio e estranhamento. O olhar do espectador é deslocado para um espaço-tempo outro, onde a fotografia se torna um campo expandido de percepção. Seu trabalho não apenas seduz pela beleza crua da natureza, mas também nos impele a refletir sobre a precariedade desse mesmo mundo. Diante de suas imagens, não somos apenas observadores, mas cúmplices de um chamado urgente: a necessidade de repensar nossa relação com o planeta, antes que a névoa se dissipe e reste apenas a ausência.
Marcel Fernandes, Verão/2025.
Marcel Fernandes é artista visual, ceramista e poeta, autor dos livros "O Cochilo do Céu" e "Kepler-186F". É também Conselheiro Municipal de Cultura em Antonina, representando as artes visuais, cidade onde nasceu e reside.
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